quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

«Crónica-História» - "História da nossa terra!"

Os Coutinhos e o convento de S.to António de Ferreirim

Quase toda a gente que se desloca a Lamego já reparou que, ao passar na estrada nacional numa das franjas da povoação de Ferreirim, se torna visível um edifício com uma grande torre. Trata-se do convento franciscano de Santo António de Ferreirim, mais conhecido pelas importantes tábuas quinhentistas que conserva do que pelo próprio conjunto edificado. É um notável conjunto arquitectónico ainda mal conhecido entre os historiadores de arte que está profundamente ligado à História do concelho de Moimenta da Beira, mais particularmente à história do Couto de Leomil, pois o seu fundador era simultaneamente dono do senhorio de Leomil, de Medelo, alcaide-mor de Lamego, meirinho-mor do Reino e quarto conde de Marialva. Refiro-me a D. Francisco Coutinho, devoto da ordem franciscana e, especialmente, de Santo António, o qual fez doação do sítio onde foi erigido o convento, por escritura passada a 28 de Janeiro de 1525 nos paços fidalgos da Torre do Bispo, em Santarém. Assistiu ao acto o Ministro Provincial dos Franciscanos, Frei Nuno de Alverca, guardião do convento franciscano de Santarém.

Deixando possivelmente à consideração da província franciscana a definição arquitectónica dos espaços conventuais, o conde impôs, porém, uma cláusula especial que obrigava os frades a conservar uma torre já existente, para perpetuação da memória dos antepassados dos Coutinhos. Para além deste desígnio, D. Francisco reservou a capela-mor do novo templo como seu próprio locus sepulcral. Com isto pretendia o conde a consagração da igreja conventual como panteão familiar, intenção bem característica da época que, no caso da família dos Coutinhos acabou por não vingar, uma vez que nem todos os mais proeminentes membros da linhagem, anteriores e posteriores, se fizeram aí sepultar. A título de exemplo, o primeiro conde, D. Vasco Fernandes Coutinho, e o terceiro, D. João Coutinho, foram sepultados no mosteiro de Salzedas.

Em 1527 já neste convento assistiam alguns religiosos. Apesar da celeridade dos trabalhos, D. Francisco Coutinho, falecido em 1532, não pôde ver o convento terminado. A continuação da obra parece ter sido incumbência da condessa viúva que assumiu despesas relativas à aquisição de alfaias e outros ornamentos para a igreja e sacristia. Além da condessa, terá sido também o infante D. Fernando, filho do rei D. Manuel, e marido da única filha dos Marialvas D. Guiomar Coutinho, a gerir, impulsionar e financiar o convento, escolhendo artistas do seu círculo. D. Fernando quis modernizar o “modo” arquitectónico da igreja, em emulação indesmentível com a vizinha catedral de Lamego.

O portal da igreja, um pouco amputado pelas obras do século XVIII, enverga ainda uma pedra-de-armas dos Coutinhos. O sistema compositivo deste portal é de filiação goticizante e a decoração ali usada aparece também no túmulo de D. Francisco Coutinho, o qual além de evidenciar outro brasão da família, exibe uma actualização acertada com as formas do primeiro renascimento português.

Este convento passou por sucessivas intervenções ao longo do século XVIII, nomeadamente nos dormitórios, na cozinha, no refeitório, no coro, na casa da portaria, na casa dos moços, na torre, na nave da igreja, nas tulhas, na enfermaria, etc. Igualmente foi construído um órgão e um cruzeiro no adro. A construção da torre, de acordo com alguns autores, terá acontecido nos primeiros anos do século XIII, tendo ficado a dever-se ao fidalgo Gonçalo Viegas, casado com uma neta de Egas Moniz. A estratégia de afirmação social dos Coutinhos passou também pela mitificação da origem da torre de Ferreirim que, de facto, só entrou na posse da família em 1431, não sendo, por isso, berço da linhagem. O claustro, entretanto desaparecido, parece t-er sido movido para a Quinta de S. Bento que ainda hoje enverga esses arcos e colunas.

Autor: Jaime Ricardo Gouveia

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