segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Praça Pública - Semanal

De madeirense para madeirense - Paquete de Oliveira (Provedor do Telespectador RTP)

O tempo não está para brincadeiras. Nem o tempo meteorológico, com neve, gelo e frio fora dos hábitos de Portugal. Nem o tempo social, conturbado com uma crise económica e financeira de que não há memória. Talvez por isso ver e ouvir um português, de nome Ronaldo, de 23 anos, natural da Ilha da Madeira, "emigrante" em Inglaterra, declarado "o melhor do Mundo", soou a um certo acto desajustado. Os média exultaram. Mas o povo, sinceramente, pareceu-me distante.
Provavelmente, não são poucos aqueles compatriotas que dizem: Mas o que é isso de ser "o melhor do Mundo" a jogar futebol? O que é que isso traz de benefício para o país?
Estes, por certo, serão aqueles que colocam essa coisa do futebol num patamar menor. Uma fácil distracção para o pagode. Um fenómeno de pura alienação. Um sedativo para apagar as mágoas de gente simples.
Com algum maior realismo, outros poderão dizer: seja o futebol o que seja, ser eleito "o melhor do Mundo" é qualquer coisa que deve merecer atenção.
Por fim, aqueles que têm a noção do que, efectivamente, representa este desporto, à escala global, verdadeiro arrebatador de massas, em gente e dinheiro, que faz mover uma das maiores "indústrias" mundiais, "casado" e "recasado" com os média que, sem este rodopio de uma bola de coiro, veriam diminuída a sua matéria-prima para fabricar notícias, esses podem dizer: Atenção! Este título merece celebração e deve ser suficientemente valorizado.
Quem sabe "o mundo-cão" que é o futebol, mas reconhece que, num mundo de suprema simulação, este desporto é o maior espectáculo do Mundo, uma das mais eficazes formas de mobilização dos sentimentos e paixões dos indivíduos, reconhece que ser o "melhor do planeta Terra" nesta actividade é um título de enorme repercussão.
Cristiano Ronaldo não foi inventado. "Inventou-se" a si próprio. Nasceu numa família sem grandes recursos. Descobriu, ainda muito garoto, que a sua superação do meio, a sua fortuna de vida seria saber correr atrás de uma bola de futebol. E apostou consigo próprio aquilo que muitos desprezam: Eu, a fazer isto, não vou ser bom; vou ser o melhor, o "melhor do Mundo".
Cristiano teve sorte. O que é sempre preciso. Encontrou, ainda na Madeira, um clube e dirigentes que não lhe travaram o destino. Encontrou um Aurélio Pereira, esse enorme, e ainda pouco louvado, caçador e formador de talentos. Um Sporting muito sensível aos "valores nacionais". E depois, um fantástico "pai de família" para agregar e valorizar filhos nesta selva em que muitos se perdem, Alex Ferguson, acolitado por um Carlos Queiroz. E um clube, o Manchester, onde tudo está organizado para vencedores.
Cristiano Ronaldo: A ambição tem sempre atrelada a si um invólucro de arrogância. Chegar ao topo do Mundo aos 23 anos tem os seus perigos e os seus enganos. É tão perigoso como conduzir um Ferrari, num túnel de qualquer cidade. De facto, às vezes, parece-me que ainda tens coisas de puto. De madeirense sem escala do Mundo. Mas, além de seres "o melhor futebolista do Mundo" de 2008, reinado que, se continuares a querer, ainda podes repetir, tens coisas enternecedoras: não renegas a tua família simples, humilde, retintamente madeirense, a tua terra natal, a tua Pátria. Olha, e já agora, falta-te um título: na Selecção de Portugal. É por isso que o povo não veio para a rua. (Fonte: JN)

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