terça-feira, 17 de março de 2009

«Crónica-História» - "História da nossa terra!"

O Mosteiro de Salzedas e o concelho de Moimenta da Beira

Foi em Janeiro de 1168 que a primeira pedra do conjunto monástico de Santa Maria das Salzedas foi benzida.
Fixada em Portugal desde o século XII, a Ordem de Cister acompanhou a formação do território e a afirmação política da primeira dinastia. Implantada com maior expressividade nas regiões centro e norte, contribuiu de forma decisiva para a colonização e desenvolvimento das vastas áreas que ocupou, aplicando técnicas agrícolas inovadoras e intensivas e, sobretudo, uma grande disciplina de organização do espaço.

Fr. Baltasar dos Reis, numa obra escrita em 1610, editada por J. Leite de Vasconcelos em 1934, afirma que tanto o mosteiro de Santa Maria de Salzeda (na Abadia Velha), como o de Argeriz (Salzedas), foram fundados «per ordem de Donna Tareia Affonso, filha do Conde Dom Affonso de Asturias, molher de Dom Egas Monis e ama del Rey Dom Affonso Enriques e de seus filhos... os quais mosteiros hum delles, que foi o primeiro, mandou fundar abaixo da villa de Cucanha junto do Rio Barosa, na comarca da cidade de Lamego, duas legoas della, ao qual intitulou o Mosteiro de Santa Maria da Salzeda, e o segundo, e que oije permanece, mandou fundar junto do Rio Torno, hum quarto de legoa distante do primeiro». De acordo com vários estudos resultantes da combinação de prospecções arqueológicas com a análise de documentos é hoje certo que existiram dois mosteiros, em simultâneo, reforçando tal opinião o plural de Salzeda que hoje se usa para uma só povoação.

Tive o privilégio de ouvir várias vezes Monsenhor A. Bento da Guia falar-me do seu projecto de organizar uma visita ao Mosteiro de Salzedas para as gentes do concelho. Segundo dizia, a importância daquele mosteiro para Moimenta da Beira e particularmente para a vila de Leomil justificava inteiramente o plano. É à guarda das suas paredes que estão sepultados dois dos mais proeminentes membros da família dos Coutinhos, simultaneamente Condes de Marialva. O primeiro conde que aí está sepultado, D. Vasco Fernandes Coutinho, foi marechal do Reino, conselheiro do Rei, alcaide-mor de Trancoso e senhor do Couto de Leomil. Teve dois filhos, D. Gonçalo e D. Fernando. O primeiro herdou do pai o título de conde, o segundo, o de marechal. O outro membro da linhagem que está sepultado no Mosteiro das Salzedas é o terceiro conde de Marialva, D. João Coutinho. Foi também conselheiro do Rei e, ao que tudo indica, um grande cavaleiro, ficando registado que o rei D. Afonso V armou o seu filho cavaleiro perante o seu túmulo dizendo: “Deus te faça tão bom cavaleiro como esse que aí jaz.”

O mosteiro que chegou aos nossos dias resulta das obras levadas a cabo nos séculos XVI, XVII e XVIII, altura em que se construíram os dois claustros subsistentes, se remodelou o espaço interior da igreja e se refez completamente a fachada. Destaca-se na sacristia, entre outras peças de grande valor artístico, o ciclo de pinturas de Bento Coelho da Silveira, bem como, na cerca, a capela do Desterro, de elegante planta centralizada. Há já uns anos que o mosteiro de Santa Maria de Salzedas clama por um restauro sério. Estive a última vez neste local em Outubro do ano transacto. Várias foram as peças de azulejo centenário que ali vi abandonadas a par das paredes rachadas. O altar tem por detrás de si um cenário triste com várias peças de arte em madeira plenas de dejectos de pombas. Curiosamente, e porque nem tudo é mau, encontrei ali dois confessionários pré-tridentinos, raríssimos em Portugal. Obtive também a informação de que a enorme quinta envolvente foi vendida a ingleses a par da sala do capítulo. Esta colonização cultural ao tornar-se comum neste país é algo que a meu ver deve envergonhar o povo luso.

Autor: Jaime Ricardo Gouveia

2 comentários:

Alex disse...

grande crónica...muito interessante saber esse passado!E concordo contigo, é mau sinal quando um país não dá valor ao património.

João PM Dias disse...

Boas,

De facto, estas crónicas/"histórias" são muito interessantes!


abraço,
joaomd