quinta-feira, 18 de junho de 2009

«Crónica-História» - "A História da Nossa Terra"

As folias carnavalescas das festas de S. João em Moimenta da Beira

Tenho estado presente, como vem sendo hábito, nalgumas acções promovidas no âmbito das festas concelhias em honra do padroeiro moimentense, S. João. Ser consumidor activo deste produto cultural local é ainda mais interessante estabelecendo laços com o passado. A historicidade destas festividades perde-se na bruma dos séculos, remontando aos tempos medievos. São escassos os documentos que versam sobre elas. Essa minoria, relativa à época moderna, que felizmente subsistiu até aos nossos dias, permite uma reconstituição, ainda que ténue, desses festejos.
A máscara mais célebre do concelho é aquela que consta do lintel do portal da “Casa da Moimenta”. Trata-se indubitavelmente de uma máscara mortuária, que a tradição oral diz pertencer à figura de um carrasco de apelido Rodrigues. Sobre esta interpretação popular, com a qual não concordo, não me alongarei aqui. Parece-me improvável que a referida escultura tenha a ver com qualquer festividade local. Apenas gostaria de sublinhar que Moimenta da Beira construiu ao longo do tempo uma forte ligação a este objecto: a máscara. Não há dúvida que este disfarce era o objecto por excelência de algumas festividades populares moimentenses não ligadas exclusivamente ao Carnaval, designadamente a de S. João.
Umas como outras eram celebrações que davam azo a significativos excessos por parte da população leiga e religiosa, motivando a actuação da justiça. Sabe-se que as festas do S. João em Moimenta da Beira tinham uma dimensão profundamente ritualizada que resvalava em intemperanças. Os escândalos que, refugiadas nas usuais máscaras das festividades do S. João, as freiras do convento beneditino obravam, são neste contexto conhecidos.
Na investida bárbara que fazia ecoar pela vila o alarido dos chocalhos e o tropel surdo dos passos, os “Caretos” levavam tudo pela frente, indistintamente. Por detrás das máscaras os olhos procuravam as moças mais apetecidas, leigas ou religiosas, para o “sacrifício”. Poucos eram os do vulgo que nesta altura conheciam entraves ou proibições.
Do Paço Episcopal de Lamego vinham naturalmente normativas tendentes a atalhar no tempo devido as folias desregradas. Segundo um documento que consultei no Arquivo Distrital, em 18 de Junho de 1689 o padre Pascoal Ferreira, confessor das religiosas, afixou nas portas da igreja do convento, uma normativa do bispo D. José de Meneses, que entre outras coisas rezava o seguinte: “Pela grande veneração e igual respeito com que se deve assistir em os lugares sagrados e conventos das religiosas, a que facilmente se falta nas ocasiões de maiores concursos, festas e mascaradas, as quais com maior liberdade os perturbam e inquietam com excessos e chocarrices indecentes e por outras muitas razões que são manifestas e que nos obrigam a atalhar tão graves inconvenientes; pelo presente mandamos sob pena de excomunhão maior ipso facto incorrenda e de duzentos cruzados pagos do Aljube (aonde serão a nosso arbítrio) que nenhuma pessoa de qualquer estado, condição ou preeminência que seja, desta diocese ou fora dela, ainda que isenta ou privilegiada, entre com máscara ou com rastro de qualquer sorte coberto na Igreja, Locutórios ou pátio da Portaria do Convento das Religiosas de Moimenta, assim nas festas que agora pretendem a S. João, como em quaisquer outras que se fizerem na dita vila […]”.
Das festividades que eram comemoradas a preceito em Moimenta da Beira, são de realçar a de S. Francisco Xavier, em 3 de Dezembro; S. Bento, em 21 de Março; S. Bernardo, em 20 de Agosto; e o Santo Nome de Jesus, na oitava do Natal, além das soleníssimas procissões da Semana Santa que também saíam do convento. É evidente que nem todas as monjas eram cumpridoras, fruto de um monaquismo forçado, diametralmente oposto à vocação interior, manifestando-se algumas delas atreitas aos foliões nestes períodos festivos de maior liberdade, quebrando irreflectidamente os votos da sua regra. Referindo-se ao período compreendido entre 1698 e 1706, um documento deste convento refere que o novo bispo D. António de Vasconcelos e Sousa reformou: “[…] as freiras de um convento da sua obediência distante quatro léguas de Lamego que viviam em desordem […] até com vestidos indecentes […]”.
Convém referir que era uma certa vertente profana das festividades que originava estes excessos. A dimensão religiosa das mesmas decorria com rectidão, zelo e fervor.

Autor: Jaime Ricardo Gouveia

Sem comentários: