domingo, 12 de julho de 2009

«Crónica-História» - História da Nossa Terra

O milagre de S. Francisco de Xavier em Moimenta da Beira (10 de Março de 1637)

Apesar de Frei Leão de S. Tomás, Alexandre Alves, Gabriela Olleta, Geraldo Coelho Dias, Manuel Cadafaz de Matos e eu próprio termos publicado estudos sobre o Convento Beneditino de N. Sra. da Purificação, este é ainda um cenóbio à espera de um trabalho de vulto que dê a conhecer a fundo a sua história. O caso do milagre que hoje reconstituo é já bastante célebre, pois está na origem da construção do altar em honra de S. Francisco de Xavier existente neste monumento moimentense.
Francisco de Xavier, co-fundador da Companhia de Jesus, destacado missionário, foi canonizado em 1622. São efectivamente variados e bem conhecidos os “milagres” atribuídos a esta figura da Igreja. Entre eles são de destacar o dom das línguas; a cura de doenças desde a epilepsia, gota, loucura, tumores, lepra, epidemias várias, partos complicados, e a expulsão de demónios. As ressurreições são também um aspecto ligado a esta personagem, assim como o famoso episódio que se diz ter ocorrido no exacto momento da morte do santo às portas da China, durante o qual um crucifixo no seu castelo de nascimento terá suado sangue. Segundo se diz, Francisco de Xavier obrou também milagres em diversas batalhas marítimas e exerceu domínio sobre elementos da Natureza (terra, água, ar e sol). A Francisco de Xavier foi atribuída ainda uma capacidade de punir actos reprováveis e o domínio sobre os irracionais (animais), assim como toda uma panóplia de vários milagres post mortem relacionados com resolução de dotes de jovens casadoiras, problemas económicos, e curas de doenças. É neste último contexto, a cura de enfermidades, que parece ter ocorrido o milagre de Moimenta da Beira.
É entre os fólios 63 e 69v.º de um manuscrito depositado na Biblioteca da Ajuda (Lisboa), escrito em Moimenta da Beira a 27 de Setembro de 1637, que se encontra a redacção da história que adiante se conta. De acordo com este documento, Soror Maria da Encarnação, natural de Garajal, religiosa no convento moimentense, de 25 anos de idade, sofria de “um humor frio, à maneira de paralisia” que lhe havia deixado “morto todo o lado direito, dos pés à cabeça”, porquanto a doença lhe atingira o pé (mais curto um palmo que o esquerdo), o braço, os dedos, o olho e ainda o estômago. Esta religiosa não conseguia comer, nem dormir. Chamada a intervir a Medicina da época, muito rudimentar, aplicou-lhe as normais sangrias que em nada melhoraram a sua enfermidade. Quando já estava certa do seu fim, a freira recebeu uma carta do irmão, Baltazar Saraiva, jesuíta em Coimbra, às cinco horas de Sábado, dia 7 de Março de 1637. Dentro, enviava-lhe uma imagem de Francisco de Xavier em traje de peregrino, tal como aparecera em Nápoles ao padre Marcelo Mastrilli “quando estando para morrer, e tendo já perdido o sentido, o ressuscitou.”
Tendo Maria da Encarnação dedicado toda a sua devoção a este santo, quinze anos antes canonizado, confiando-lhe o seu destino, o milagre acontecera três dias depois, a 10 do aludido mês. Numa primeira carta que a beneditina terá escrito a seu irmão, confessa o seguinte: “fiquei por um breve espaço com o santo no meu peito e querendo tomar a muleta, me encontrei com a perna [doente] igual à sã e fui logo ao coro com tanta pressa que não houve monja que correndo me pudesse alcançar; encontrando-me de repente com o lado enfermo tão são como o outro.” Numa segunda missiva a monja diz já estar livre de todos os males passados e em condições físicas de tomar na sua cela os banhos que chegou a admitir ter de ir tomar ao hospital termal das Caldas da Rainha.
Perante o extraordinário evento e a difusão da notícia, o bispo lamecence D. Miguel de Portugal visitou o mosteiro e o acontecimento fora analisado por teólogos e canonistas. O irmão da freira ter-se-á então deslocado de Coimbra a Moimenta transportando uma imagem do santo milagreiro para edificar no lado direito do altar do convento. Um altar em honra deste santo seria finalmente levantado, mas por iniciativa dos pais da monja, Doutor Gaspar Vaz de Sousa, Comendador de Santo António de Grijó da Ordem de Cristo e sua mulher D. Maria Correia, como consta da inscrição existente numa parede do convento. A partir de então, passou a comemorar-se a festa de S. Francisco de Xavier (3 Dezembro) e segundo consta foram colocadas cerca de sessenta imagens do santo repartidas por várias igrejas de Portugal.

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