sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Crónica História da Nossa Terra

O significado dos marcos com inscrições VDE

Já ouvi e li muitos despautérios acerca destes marcos e respectivas inscrições. Em primeiro lugar parece-me ser necessário dizer que se tratam de marcos que, como tal, existiram para delimitar territórios. De seguida, é conveniente aclarar a disposição destas inscrições. V.DE é a disposição correcta que consta dos marcos e não DE.V. Por conseguinte, as inscrições não significam DE Universitatis mas sim VNIVERSIDADE. Não sou eu que o digo. A História tem como base documentos e para perceber o que significam estes marcos, que limites pretendiam ser, que zona delimitavam e em que data foram colocados no espaço, é necessário consultar fontes documentais. Estas nem sempre aparecem, mas neste caso existem em abundância.
O livro que publiquei em 2003 intitulado Embate em Debate. História, Administração e Limites no Planalto Beirão (um estudo de caso), reconstitui a historicidade destes limites e comporta um apêndice documental com a transcrição de várias demarcações, nomeadamente aquelas que decorreram entre Leomil e Moimenta da Beira.
Com o intuito de dotar a Universidade de Coimbra de meios de subsistência, um breve de 14 de Março de 1538 determinava que a esta instituição universitária fossem anexadas várias igrejas. Entre elas estava a de Moimenta da Beira. Até então os rendimentos de todas essas igrejas eram administrados pelo cardeal infante D. Afonso. Com esta anexação, a Universidade de Coimbra tinha direito a recolher os dízimos da paróquia moimentense, daí a necessidade de rigorosamente a demarcar. O mesmo será válido para todas as outras paróquias que deviam pagar o dízimo à Universidade de Coimbra, de que é exemplo cabal a paróquia de Caria, onde foram colocados vários marcos, como o da figura que aqui exponho.
Estas incorporações da Universidade exigiram a realização de tombos, onde constava o termo da imposição dos marcos. Tal servia não apenas para agilizar burocraticamente a instituição, como também para servir de prova na sucessão de eventuais litígios. Terá existido um tombo do século XVI com a indicação dos limites precisos das paróquias e dos terrenos sujeitos ao pagamento do imposto. Todavia, esses limites antigos, cruzes, fragas, rios, entre outros, foram caindo no esquecimento in loco, pelo que no século XVIII houve a necessidade de os reavivar e proceder a uma remarcação e redelimitação, remodelação de escrituras, fixação de salários, nomeação de novos procuradores e envio de novas instruções para os rendeiros.
Em 1750 foi ordenado um novo tombo. Em 1752 reuniram-se os oficiais das câmaras de Moimenta da Beira e Leomil, com o juiz das demarcações dos bens das fazendas da Universidade de Coimbra na Beira Alta. Segundo esse livro, chamaram “homens lavradores antigos inteligentes” das duas paróquias, para que indicassem o local onde se encontram os marcos antigos. Depois de fazerem o reconhecimento dos locais, colocaram marcos novos e deram visibilidade aos antigos, com o intuito de perpetuar no tempo a memória dos dízimos que a paróquia de Moimenta pagaria à Universidade de Coimbra e de que a paróquia de Leomil estava isenta. Vejamos o que diz uma das demarcações: “No dito citio da Levada na estrada que vem da villa de Leomil pera Caria abaixo do lugar de Tohetam pera a parte do poente esta o dito marco que he de pedra lavrada de cantaria que tem dous palmos de largo e hum de groço e nelle estavam feitas letras antigas que agora se avivaram em hum lado pera a banda do Poente esta hum L e hum O que querem dizer Leomil […] pera a banda do Sul esta um C e hum A que querem dizer Caria e pera o lado que esta da banda do Norte esta hum marco que quer dizer Muymenta e pella parte debaixo do marco se lhe fizeram letras V.DE que querem dizer Universidade.”
Na maior parte dos casos foi necessário edificar novos marcos, praticamente todos de pedra lavrada de cantaria de sete palmos de cumprido e palmo e meio de largo. Este processo de delimitação ocorreu também nas paróquias de Castelo, Nagosa, Caria, e outras do actual concelho de Moimenta da Beira e de outros locais da Beira Alta.
Publicado no Jornal Terras do Demo, edição de 31/10/09

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