terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A História da Nossa Terra!

Património religioso imóvel: os cruzeiros

Padrões por excelência da fé cristã, os espécimes que compõem este património religioso imóvel são símbolos iconográficos da cultura católica ocidental. O empenho das comunidades na edificação destas estruturas revela a sua devoção e a necessidade que têm e sempre tiveram de evocar a protecção divina no quotidiano. Colocados nas ruas, nas bermas das estradas, nos largos, nos campos ou nos montes, apenas alguns constituíam um passo, ou paragem, de uma procissão, mas todos monumentalizaram e sacralizaram os lugares onde se encontram. Por muitos deles, alguns antiquíssimos, os nossos antepassados nutriam a sua mais ardente devoção.
Das tipologias funcionais dos cruzeiros merecem destaque três: uma que serve para assinalar fisicamente um percurso espiritual e simultaneamente físico de uma determinada cerimónia religiosa (procissão); outra que tem a ver com a protecção das pessoas viventes das almas penadas, “que costumam habitar as encruzilhadas dos caminhos e estradas”; e uma última função que se presta à recordação - função memorialista.
Morfologicamente os cruzeiros mais completos são constituídos por uma base de degraus com recorte quadrado, circular, octogonal ou poligonal, sobre os quais se elevam um pedestal e a coluna, com fuste, por vezes facetado, coroado por capitel sobre o qual assenta a cruz. Alguns contêm gravadas as armas dos prelados que os mandaram edificar. Outros motivaram a construção de capelas dedicadas ao Calvário. Alguns apresentam-se em granito singelo, sem relevo nem imagens. Outros, têm uma elevada riqueza artística, onde os ignorados canteiros do passado deram largas ao seu imaginário e materializaram no duro granito, com rudes mãos, a sua arte sentida. Alguns ostentam imagens na cruz, nomeadamente a de Cristo (quando a opção não escolheu a da Virgem e da Pietà), cujo objectivo é o reforço da rememoração do seu papel de mediador entre o céu e a terra, sacralizando esses espaços que assim ganham uma nova dimensão: a dinamização da Fé.
O elemento seccional mais importante do cruzeiro, aquele que lhe dá o nome, é a cruz. Símbolo máximo do catolicismo, a cruz materializa o poder de Cristo sobre a morte, e é elemento incontornável de expressão e afirmação da sua universalidade. Trata-se, por conseguinte, de um elemento referencial de todos os espaços religiosos. A sua existência, porém, não se confina a espaços interiores, onde predomina. No exterior, onde aparece com ou sem a figura de Jesus Cristo, é um elemento também fulcral, seja sob a forma de cruzes processionais, seja integrando a arquitectura das igrejas nos vértices do telhado ou nas fachadas, seja insculpida e até pintada nas superfícies murais junto das paredes ou disposta nas ruas e praças das localidades. Aí, mais do que representar a morte do filho de Deus constitui um recurso simbólico para a exaltação da redenção dos cristãos e da possibilidade da ressurreição. No espaço contíguo às igrejas, prestam-se a identificar de forma imediata aos fiéis o itinerário do caminho da luz, o trilho sagrado que o redentor calcorreou como parte integrante da sua missão. Já a sua disposição nas fachadas dos edifícios trata-se da imposição de um exercício de devoção aos cristãos.
Fora do espaço contíguo aos templos, este elemento aparece sobretudo nos locais de passagem quotidiana, de sociabilidade das comunidades ou outros associados ao sagrado (todos os trajectos das vias-sacras contêm este elemento primordial do catolicismo), tal como acontece com o cruzeiro de Soutosa visível na imagem que apresento. A sua construção nos caminhos, praças e cruzamentos, remete os fiéis para a constatação de que a digressão humana na terra deve procurar as veredas certas, sem desvios e orientada para a presença de Deus. Há portanto o objectivo de uma rememoração de que do cume dos céus a entidade divina escolta de perto o percurso dos viajantes aspirantes ao Paraíso: acompanha-os na viagem e protege-os.
Espaço por excelência de religiosidade desde eras imemoriais, o concelho de Moimenta da Beira é depositário de cruzeiros artisticamente interessantes e remotos, tais como o já referenciado, o de Paradinha, Paraduça, e tantos outros que por aqui abundam. A proliferação de outros mais recentes é também uma realidade. Passado e presente aparecem unificados e relegam os modos como os fiéis viviam a sua religiosidade para um tempo a-histórico, no sentido em que denotam uma prática religiosa e, portanto, cultural, que se perpetuou.

Autor: Jaime Gouveia
Publicado na última edição do Jornal Terras do Demo

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