terça-feira, 26 de janeiro de 2010

«A História da Nossa Terra!»

Um pormenor artístico de elevado significado histórico em Vide

Diz A. Bento da Guia, com toda a justeza, nos Oito concelho de Moimenta da Beira, que a povoação de Vide é concerteza cemitério sagrado de valores arqueológicos que Moimenta não tem o direito de ignorar. Concordo, embora se lhe devam acrescentar algumas povoações limítrofes. Das freguesias que actualmente fazem parte do concelho de Moimenta da Beira, a Rua é das que mais possui vestígios históricos, os quais são a marca de um passado denso de ocorrências. Esses vestígios são mais evidentes para o período clássico, pois abundam os ecos da romanização.
Pinho Leal e outros cronistas do passado fizeram questão de legar aos vindouros o testemunho vivo de alguns desses vestígios. Destacam-se a lápide romana dedicada ao imperador Marco Aurélio, descoberta em Vide nas casas do padre Lourenço Manuel de Almeida durante o ano de 1788; o pedaço do marco miliar que hoje se encontra na capela do Espírito Santo de Vide (antigamente de S. Sebastião), a lápide da capela de S. João de Vide encontrada no século XVI relativa ao ano de 585 d.C, a lápide da capela de S. Domingos dos Prados que se crê ter sido a antiga igreja matriz da freguesia, o marco miliário proveniente da Quinta da Alagoa, os pesos de tear, medalhões, e outros objectos encontrados, grande parte deles de barro, alicerces de muros, inúmeras tegulae, e tantos outros vestígios. Em 1872 um proprietário encontrou numa vinha grande em Vide uma significativa quantidade de moedas de cobre, pesando todas 6 kg. Muitas delas eram do tempo dos romanos e outras ainda anteriores ao seu domínio da Península. Algumas delas foram oferecidas à Câmara Municipal do Porto que as mandou colocar no seu museu. Em 18 de Março de 1878 num monte entre Rua e Caria uns operários enquanto demoliam um muro antigo acharam nos alicerces uma grande porção de moedas de prata de 20 tipos diversos, todos romanos. Por tudo isto, julga-se que algures entre Vide e Granja dos Oleiros terá existido uma grande povoação romana, denominada Rochela ou Arrochela. Julga-se que passava também por esse local uma via romana, dirigindo-se de Braga a Amarante e daí a Cidadelhe, povoação romana, indo um ramo para a cidade de Panoias, no termo de vila Real e outro à terra de Caria, partindo para toda a Beira e Riba Côa.
Na Idade Média não diminui a prosperidade da actual freguesia da Rua, agora adstrita à história de Caria, que foi também povoação romana. No tempo em que os godos dominavam o território, a vila de Caria era uma das 6 matrizes que formavam o bispado de Lamego. Almansor destruiu-a no século IX e no tempo de D. Afonso Henriques era apenas um julgado pertencente a Leomil, até que no século XIV se erigiu em concelho e vila independente. Despovoado o castelo, os moradores retiraram-se para lugares mais cómodos e abrigados, pois já não receavam as invasões dos moiros. No século XIII já existia a povoação de Caria Jusan (hoje Rua), Caria Suzan (hoje Caria) e Caria Velha, que era o castelo, hoje em completa ruína. Ao que parece, a sede do concelho situava-se em Caria Jusan, povoação onde existia casa da Câmara, cadeia, e mais tarde foi erguido o pelourinho. Continuava a existir uma ocupação do território de Vide, tal como se pode verificar nas sepulturas medievais escavadas na rocha, contíguas à capela de S. João. Durante o período medievo foi fundado neste concelho um mosteiro de frades franciscanos. O concelho foi suprimido por decreto de 24 de Outubro de 1855 sendo incorporado no de Sernancelhe e só a partir de 21 de Maio de 1896 passou a pertencer ao de Moimenta.
Mas, por mais rico que seja o passado histórico de determinada localidade, é sempre possível partir em busca de novos documentos e novos factos. A descoberta da história é uma actividade permanente, contínua, inacabada. Isso mesmo prova o mais recente vestígio de que tomei conhecimento em Vide, o qual vem juntar-se a tantos outros já existentes e que adensa o nosso conhecimento sobre o passado histórico dessa localidade. Trata-se de uma inscrição existente na casa do Sr. João Tomé Fonseca, visível na imagem que apresento. As siglas IHS significam “Jesus” e o conjunto que formam com a cruz que traça o H pelo meio constitui o símbolo da Companhia de Jesus. A inscrição aparece na fronte de um grande orifício embutido na parede que contém um buraco no fundo por onde deveria passar um líquido qualquer. Seria repositório de azeite? Vinho? Água Benta? Não se sabe concretamente, dado não se perceber o enquadramento com o resto da casa, entretanto adulterada. No entanto, uma coisa é possível desvendar. Esta casa, a primitiva casa, esteve ligada aos jesuítas e, tal como a inscrição, é anterior ao ano de 1764. Até esta data, Vide pagava o dízimo ao colégio dos jesuítas de Coimbra. A partir de então, e como reflexo dos problemas vividos pelos padres da Companhia de Jesus que culminaram com a sua extinção, o rei passou as rendas para a posse da Universidade de Coimbra. Daí os inúmeros marcos com as siglas “VDE” que significam “Universidade” existentes em toda a freguesia da Rua que foram colocados a partir desse período para assinalar essa posse. Se esta casa servia de residência paroquial, visto que se sabe que cada uma das anexas da Rua tinha um padre, não se sabe, mas é provável.

Autor: Jaime Ricardo Gouveia

Sem comentários: