quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

"A História da Nossa Terra!"

O tecto “Rococó” do Solar das Guedes

Sem dúvida um dos mais interessantes solares que Moimenta da Beira se orgulha de possuir, a casa das Guedes, hoje biblioteca Aquilino Ribeiro, situa-se no Terreiro das Freiras, a praça que passou a ser o centro cívico e político do concelho de Moimenta a partir dos alvores da Época Moderna (século XVI). Detentor de belos pormenores de antanho, entre os quais a portentosa pedra de armas de onde se vislumbram os símbolos heráldicos dos Sarmentos, Menas, Falcões, Vasconcelos e Gouveias, o edifício mantém traça setecentista, muito embora seja crível que a sua existência date de épocas mais recuadas, tendo sido alvo de várias reformulações, até porque se percebe que as fachadas não são simétricas, como já tive oportunidade de asseverar em artigo anterior acerca deste belo monumento. Composição onde predomina o puro granito da Beira, tem uma fachada imponentíssima que lhe dá celebridade como estrutura que veio abrilhantar o largo que se lhe abre de fronte. Tendo permanecido incólume às tropas de Loison, este solar pôde manter incólumes outros pormenores artísticos de relevo que convém destacar, nomeadamente os tectos que sobrepujam dois dos seus espaços interiores.
Na verdade, a destruição do interior de inúmeros solares pelo fogo ateado, foi um dos maiores atentados à arte portuguesa protagonizado pelas invasões francesas a que o solar das Guedes teve a felicidade de resistir, pois sorte igual não teve o vizinho solar dos Sarmentos.
O recurso à pintura de tectos em perspectiva granjeou uma grande preferência nas salas das casas nobres. Os tectos policromos deste palacete, restaurados há anos atrás, filiam-se ao estilo artístico denominado Rococó, também conhecido com o “estilo da luz”, como associação à corrente de pensamento denominada “iluminismo”. Curiosamente a palavra Rococó que deu origem ao estilo artístico, tem origem na mesma nação que passando por Moimenta em invasões poupou o edifício, isto é, trata-se de uma forma da palavra francesa “rocaille” que significa “embrechado” ou “concheado”, associada a determinadas fórmulas decorativas e ornamentais, como por exemplo a técnica da incrustação de conchas. O aludido movimento artístico teve origem na França e daí se expandiu um pouco por toda a Europa a todos os domínios artísticos (música, arquitectura, ourivesaria, pintura, etc.), tendo chegado a Portugal ainda na primeira metade do século XVIII. Se o Barroco, movimento artístico anterior, incidia sobretudo na temática religiosa, o Rococó vai centrar-se sobretudo nos temas profanos. É, por essa razão, uma variante do Barroco, mas usado sobretudo na decoração de interiores. Leve, intimista, elegante, alegre, bizarro, frívolo e exuberante são suas características principais.
De facto, nos tectos da casa das Guedes encontramos abundantemente temas rococós ligados ao profano. Alegria de viver, busca do prazer material e sensual, amor terreno, natureza (estações do ano e floreados), são algumas das composições que se encontram entre os temas mais representados. Alegorias (do amor e da inocência, das quatro estações do ano), tons pastéis e douramento, representações da vida profana da aristocracia (retrato da família e representação da embriaguez), inúmeros filetes decorativos, texturas suaves, são outras particularidades que podemos encontrar nestes dois tectos, tipicamente característicos do mencionado estilo.
Olhando agora mais minuciosamente para estes dois tectos de maceira, convém dizer que eles apresentam uma organização compositiva distinta. O do lado direito compõe-se de uma cercadura de recurvados concheados e segmentos enovelados, pontualmente delineados por coroas de flores, que circunscrevem medalhões dispostos lateralmente com figurações alegóricas, e ao centro um retrato de família, visível na figura que apresento e de onde se vislumbram três indivíduos: o chefe de família e as senhoras da casa, possivelmente mulher e filha. O do lado esquerdo, mais concreto na sua figuração, é enquadrado por uma arquitectura de ilusão, composta por balcões de balaústres, que sustentam as figuras alegóricas das quatro estações do ano e vasos de flores, e ao centro, num medalhão emoldurado por concheados, representa-se uma cena de família com um menino músico.
Esta é apenas uma pequena incursão pelos pormenores artísticos dos referidos tectos, com o respectivo enquadramento histórico que lhe subjaz. Sob o ponto de vista da simbologia das representações, da linguagem utilizada, do vestuário representado, bem como outros aspectos de relevo, estes tectos necessitam ainda de estudos apurados que permitam adensar ainda mais o conhecimento da história desta casa, das famílias que aí viveram e da própria vila.


Autor: Jaime Ricardo Gouveia

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