quinta-feira, 18 de novembro de 2010

«Cultura» - Poeta de Nagosa publica na Suíça

Manuel Araújo, do Portal “Tony Luso” entrevista um poeta moimentense (de Nagosa), operário, emigrante na Suíça desde 1985, que tem feito furor cada vez que lança um livro. Já lá vão quase dez. Pela riqueza do testemunho, publicamos nós aqui também a entrevista que começa assim: “Carmindo Pinto de Carvalho é beirão, nasceu em Nagosa - Moimenta da Beira, em 1955. Em 1966 concluiu o ensino básico, foi camponês, operário na construção civil, trabalhou como vigilante numa escola e empregado num hospital psiquiátrico. Cumpriu o serviço militar na Marinha e viajou por vários países. Em 1985 emigrou para a Suíça e aí fixou-se a trabalhar numa fábrica de tubagens metálicas até aos dias de hoje, onde paralelamente e durante uma dezena de anos abraçou a vida associativa, tendo desempenhando vários cargos.
Carmindo Pinto de Carvalho começou a escrever tarde, já depois dos trinta anos e apesar dos seus quatro anos de “carteira e andarilho”, recusou-se escrever para a gaveta. Auto-define-se um “poeta operário” e muitos dos seus trabalhos, que ele considera uma “caldeirada de palavras“ são um verdadeiro alertar de consciências e “quem a prova, jamais esquecerá”. É casado, tem três filhas, duas netas, um neto, e vive em Rorschach St. Gallen, Suíça.

— Quando começou a escrever, percebeu que o que escrevia iria ter a aceitação que teve?
CPC — Sinceramente sim, porque sei, (e já sabia nessa altura) que a minha escrita tem “miolo” tem acutilância, sinceridade, verdade e actualidade. Está para além daquela que é como o melhoral, que nem faz bem, nem mal (dizem). Porque é politicamente correcta.

— Como classifica o seu estilo literário?
CPC — Quer na Poesia, quer na prosa ou conto, acho que indirectamente já respondi no ponto anterior.

— Quais são as suas preferências literárias e musicais?
CPC — Gosto de ler, leio tudo que posso e que apanho à mão. Preferências? Poesia. Autores? Zeca Afonso, Ary dos Santos, Miguel Torga, António Gedeão. De outras formas de escrita, Aquilino Ribeiro, José Rodrigues dos Santos. Na música são vários: Genesis, Camel , Tangerine Dream, Barclay James Harvest, Supertramp, Doors, Pink Floyd, Uriah Heep, Deep Purple, Eric Clapton, etc. Mas também gosto e ouço muita portuguesa, com destaque para os meus queridos U.H.F.

— Acha que o actual preço dos livros é uma das causas que contribui para o declínio da leitura?
CPC — É com certeza uma das causas, se fosse mais acessível facilitava, mas há mais por exemplo: o hábito de leitura de livros, pode ser desenvolvido e incutido por outras formas de leituras. E por vezes gasta-se e desperdiça-se tanto em coisas tão fúteis...

— Uma das principais dificuldades dos escritores desconhecidos é chegar a uma grande editora. Os que tem poder económico optam pela edição de autor e fazem eles próprios a distribuição, ou então por outro lado, vão “humilhantemente” bater à porta de múltiplas editoras tentar a sua sorte. Qual destas situações se adaptou ao seu caso?
CPC — As dificuldades, o bater às portas, a distribuição própria sim, foram, mas humilhante, isso não. Porque já recusei uma editora, por ter demorado onze meses a dar-me uma resposta, a apresentar-me uma proposta. Não admiti, nem admito.

— Então qual é a sua editora actual?
CPC — Este ano comecei em duas. A que funciona no Site www.worldartfriends.com editou-me o “Entre Ondas de Ar e Amar”. Na editora do Site www.bubok.pt editei três: “Entre Margens”, “Entre Folhos” e “Conversas de Papel”. Ambas funcionam tendo por base a NET, e poder ser encomendados um a um. Na segunda, o autor pode optar por fazer tudo, desde a paginação à revisão, à capa etc. e passa a ser edição de autor, ou paga a eles mesmos, mas isso custa muito. Tem as vantagens de ser grátis, ou um pequeno investimento e não termos de ficar com caixotes cheios de livros em casa, e estão isentas das vicissitudes que grassam nas ditas clássicas, as dos tubarões. Desvantagens, passam de lado do circuito, dos tops, e principalmente poucas vendas devido ao medo de comprar na Net que muita gente ainda tem.

— “Tenho medo de me transformar num cibernauta, viciado, em robô, em algo desumanizado” — escreveu você em 2002. Esse medo justificava-se e o que pensa sobre este meio de comunicação?
Esse medo, tinha e ainda tenho, penso que devido ao impacto imediato que esse meio gera e nos impregna. Vou gerindo a tentação, o tempo de uso, etc. No entanto penso que é muito útil, permite-nos fazer coisas incríveis, com grande repercussão.

— Devido ao avanço da tecnologia e do proliferar dos livros em formato digital [e-book] tem-se falado no fim do livro e da biblioteca tradicional. O que pensa sobre isso?
CPC — Ah! Isso não. Nunca o e-book terá o cheiro da tinta, do papel, nem dará o simples prazer do virar de página. Dou como exemplo: o Cinema, não matou o Teatro. Assim como a TV não matou o rádio. (haverá sempre alguém que resista, sempre alguém que diga não...)

— Os personagens das suas obras são reais, ou são apenas fruto da sua inspiração momentânea? Como lhe surgem as ideias?
CPC — Alguns personagens são reais, outros não. Alguma inspiração é momentânea e surge mesmo ali no momento de escrever. Outra não, porque é devido a por vezes me pôr a pensar, a rebobinar a cassete, e assim fazer viagens no tempo. Voltar atrás é reviver e isso é útil, quer o bom quer o mau. É sempre uma aprendizagem.

— Você escreve aquilo que sente, ou escreve o que acha que os seus leitores vão gostar de ler?
CPC — Sempre o que sinto. Porque isso faz parte da minha forma de estar, de viver, de ser eu, livre no meu mundo. A minha liberdade não está à venda, nem tem preço. E porque não sei nem quero saber do que iriam gostar. Cada qual gosta do que gosta. E acho que nunca iria chegar a essa aproximação.


— O que pensa do novo e polémico “Acordo Ortográfico” criado segundo alguns autores, para “favorecer interesses não muito claros”?
CPC — Sim, muitos e obscuros interesses. Uma grande aberração, e fazem-me rir certas partes em que no Brasil têm outro significado. Gostaria de ver a reacção da Inglaterra, se os Americanos, os Australianos e todos os outros falantes do Inglês espalhados pelo mundo, quisessem impor-lhe coisa parecida.

— Numa entrevista que me deu há anos, criticou a falta de apoios governamentais à edição e criação e acusou o Governo de então de apoiar “projectos megalómanos, inúteis, ou prenhes de insanidade mental”, dando como exemplo, o filme sem imagem “Branca de Neve e os Sete Anões “ do polémico realizador João César Monteiro. O que mudou desde então?
CPC — Não mudou o meu pensar, porque acho que continua tudo na mesma, com muito, ainda por fazer.

— Recordo as críticas cáusticas feitas há anos, a “vários núcleos da nossa comunidade”, acusando-os da falta de “estímulo e incentivo”, criticando a “apatia” que neles se instalou. Disse, que apenas “organizam torneios de futebol, cartas e matraquilhos” e afirmou que “a maioria sente-se feliz com uma cerveja e uma cartada na mão”. Mantém essa crítica ou mudou algo?
CPC — Mantenho. Continua tudo na mesma “na paz dos anjos“. Recentemente num só dia, num sábado percorri 222 kms. Fui a 18 sítios portugueses e constatei isso mesmo. Pelo ambiente do momento, e pelas propostas culturais exibidas nos cartazes expostos.

— A agora, que objectivos para futuro ?
CPC — Comprar o Euromilhões... Criar uma editora sem fins lucrativos para dar a mão e voz, a todos os autores “malditos ”. Estou a brincar... Continuar nesta onda prenhe de insanidade mas que me dá muito gozo, e promover o mais possível em tudo que “mexa” os meus livros. No dia 23 de Outubro, vou apresentá-los na Casa do Benfica em Rorschach.
Nessa função, irei andar por aí, indo a tudo e onde me queiram. E é claro, criando o que for capaz, o que o engenho e a arte me ditarem.


Fonte: CM Moimenta da Beira

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