domingo, 5 de dezembro de 2010

«Arqueologia» - Castigos na praça pública

Pelourinho de Leomil (século XVI)


Desde a Idade Média até ao fim do Antigo Regime, os réus eram humilhados e castigados publicamente, através de diversos processos de tortura, quer nos pelourinhos (1) , onde eram exibidos acorrentados, açoitados e vítimas de punições maiores como a flagelação e amputação: “[…] mandava-se que os padeiros, carniceiros, regateiras, etc., que furtassem no peso, fossem postos na picota. Uma postura da câmara de Vizeu, de 1304, manda que todo carniceiro, padeiro, etc., que tiver pesos falsos, pague cinco soldos, e ponham-no na picota”[…] (2). ;quer condenados à morte na forca, num local afastado da povoação, ou na fogueira, na praça pública, em cerimónias chamadas Autos-de-fé (3) : “Na Ribeira de Lisboa, que é freqüentemente ventosa, a brisa inclinava a chama, e a vítima encontrava-se a uma altura tal que o lume não lhe subia acima da cintura. A chama não o afogava, mas grelhava-o, durante hora e meia, duas horas, antes que ele morresse. Os seus gritos – “Misericórdia, por amor de Deus” – provocavam o júbilo da assistência.”(4)
Durante muitos anos foi assim, como espectáculos de massa, que a justiça foi aplicada nalguns países europeus. “Um excesso de absurdo e de ridículo, ao qual se junta um excesso de horror”, como Voltaire (referindo-se ao Auto-de-fé), um dos mais célebres filósofos iluministas, lhe chamou.

(1) Foram tanto locais de aplicação da justiça, como símbolos da autonomia administrativa concelhia. Do ponto de vista artístico, existem pelourinhos simples, outros exuberantes, ricamente decorados com figuras antropomórficas, animais, motivos grotescos, fitomórficos ou heráldicos. Também conhecidos por picotas, são, em regra, compostos por uma plataforma circular, quadrangular, hexagonal ou octogonal, de um a cinco degraus, possuindo no meio uma base, sobre a qual assenta uma coluna com fuste ou capitel, e terminam com o remate, elemento decorativo que os faz distinguir uns dos outros. Nalguns, a base, em vez de construída pelo homem, foi aproveitada por afloramentos naturais como é o caso do pelourinho de Paçô. Consoante o remate, classificam-se em pelourinhos de: gaiola (imagem I), coluço, tabuleiro, pinha, roca, bola, tipo bragançano e de características extravagantes. Contudo, muitos foram destruídos com o liberalismo oitocentista por serem considerados um símbolo de tirania. Dos extintos concelhos (oito) que formaram o actual Município de Moimenta da Beira, restam ainda cinco pelourinhos (Castelo, Leomil, Paçô, Sever e Rua) e alguns antigos edifícios municipais, como as Casas da Câmara e Cadeias.
(2) Ordenação Afonsina, livro I, título 28.
(3) Os Autos-de-fé eram rituais de penitência pública praticados pela Inquisição, também conhecida por Tribunal do Santo Ofício (criado no século XIII pelo Papado), que chegavam a durar um dia inteiro. Realizados segundo um cerimonial pomposo e rigorosamente estabelecido, era presenciado, para além das autoridades religiosas, civis e de toda a Corte, por uma enorme multidão. Iniciavam-se com a procissão dos réus, seguida de uma missa, na qual o sermão, a leitura das sentenças e a própria execução eram a essência de toda a cerimónia. Chegavam mesmo a celebrar casamentos reais juntamente com esta matança, razão pela qual os Autos-de-fé eram realizados com grande festa. Em Portugal, este tribunal foi representado pelas inquisições de Lisboa, Évora e Coimbra entre 1536 e 1821 e teve como escopo principal perseguir as heresias, notadamente o judaísmo, que punham em causa a legitimidade tanto do poder eclesiástico, como do poder civil.
(4) Inquisição e Cristãos Novos, p.109. Inquisição – Ensaios sobre Mentalidade, Heresias e Arte. I CONGRESSO INTERNACIONAL. Universidade de São Paulo. 1987. P. 541.

Autor: José Carlos Santos

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