quarta-feira, 23 de março de 2011

O relógio de Sol do solar dos Viscondes de Balsemão

Situa-se em Leomil, no solar setecentista dos Viscondes de Balsemão e trata-se de um exemplar interessante. O seu enquadramento num conjunto edificado amplamente rico de aspectos ornamentais, levou a que não fosse destacado como mereceria. Trata-se de um dos poucos exemplares ainda existentes em Portugal. Não abundam os relógios de Sol como este e o seu estado de decomposição não se coaduna com a sua importância.

O relógio de Sol não apareceu num determinado momento isolado da história como uma descoberta repentina e extraordinária. Ao invés, desenvolveu-se lentamente como consequência do estudo dos movimentos aparentes do Sol na esfera celeste. Desde tempos remotos que o homem percebeu que poderia aproveitar a sombra provocada nos objectos pelo Sol. Ao perceber que a posição do astro rei era variável no tempo, chegou à conclusão também que ao longo do dia o tamanho das sombras variava. A origem do relógio de Sol, porém, é controversa. Para uns, situa-se nas grandes civilizações como a Mesopotâmia, e até a Caldeia a Babilónia e a China. Para outros, as origens remontam ao monumento megalítico de Stonehenge, na Inglaterra, o qual, segundo estas hipóteses, deixa claro o objectivo de identificar as épocas do ano, havendo alinhamentos de pedras coincidentes com o nascer e pôr-do-sol no início do Verão e do Inverno. A própria Bíblia cita relógios de sol nos livros de Reis e Isaías, provando a antiguidade do invento.

Desde os tempos primitivos que a sombra foi usada para estimar as horas (sombras moventes). Mais tarde a inovação ocorre com a utilização de uma vareta fincada no chão na posição vertical, a qual permitia estimativas das horas em função da variabilidade das sombras em momentos distintos do dia. Estava criado o pai de todos os relógios de Sol, o famoso Gnômon. Mais tarde a medição do tempo orientou-se para o calendário, sobretudo na identificação das estações do ano, imprescindível para as civilizações que praticavam a agricultura, dependendo esta dos factores climáticos directamente ligados às estações. Com a natural evolução das sociedades o dia foi dividido em horas, sobretudo devido à necessidade de marcação das práticas religiosas e algumas actividades leigas.

A evolução da estimativa do tempo, bem como dos aparelhos que lhe serviram de suporte foi uma constante ao longo da História. Em termos físicos e técnicos, um relógio de Sol é constituído por um objecto de espessura desprezável (o gnómon), que, quando exposto ao Sol, projecta a sua sombra numa superfície onde se encontra marcada uma escala devidamente graduada que nos indica as horas. Por conseguinte, o funcionamento do relógio de Sol baseia-se nas diferentes orientações e comprimentos da sombra do gnómon ao longo do dia, sendo de ressalvar que o percurso aparente do Sol ao longo do dia não é igual em todos os dias do ano, sendo a posição da Terra em rotação um elemento fulcral. No Inverno, como se sabe, a altura do Sol é menor e os dias são mais curtos, acontecendo exactamente o contrário no Verão.

No século XVIII, quando foi fabricado o relógio de sol do solar dos Viscondes de Balsemão, já eram conhecidas as teorias de Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Apolónio de Perga, Aristóteles, Aristarco, Eratóstenes, Hiparco, Ptolomeu, Marcus Philipus, Marcus Vitruvius, Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, entre outros. Por ocasião da Renascença em meados do século XV, com a invenção da imprensa no Ocidente (porque na China já tinha sido inventada), a divulgação científica de um modo geral, e portanto, a construção de relógios de sol, conheceu um grande impulso. Eram trabalhos que exigiam, além de habilidade artística, conhecimentos sobre o movimento aparente do sol e eram até então segredos bem guardados. Talvez por isso foram publicadas várias obras sobre o assunto. O próprio aparecimento dos relógios mecânicos no século XVI não chegou a abalar a posição dos relógios de sol, pois eram máquinas pouco precisas e que requeriam frequentes acertos, o que se fazia com a leitura do meio-dia nas "meridianas", que eram quadrantes solares que indicavam exclusivamente o meio-dia local. No século XVII, a Gnomónica chegou a constituir um ramo da educação.

Por tudo o que se tem vindo a dizer, é de referir que era praticamente impossível que o solar dos viscondes de Balsemão não possuísse relógio de sol. Além de se enquadrar com perfeição no estilo do edifício e na época de construção, importa considerar o proprietário do solar, certamente aquele que mandou gizar o esqueleto compositivo do edifício e naturalmente o relógio de sol.

Luís Pinto Sousa Coutinho nasceu em Leomil em 1735 e faleceu em 1804. Foi o 1.º visconde de Balsemão. Teve um percurso notável. Começou a carreira política em 1769, como governador e capitão-general de Cuiabá e Mato Grosso, cargo que ocupou até 1772. Depois do exercício dessa função foi enviado para Londres como ministro plenipotenciário de Portugal, ali permanecendo entre 1774 e 1778. Foi ainda primeiro-ministro durante o reinado de D. Maria I, entre 1788 e 1801, e de Agosto a Dezembro de 1803. Foi eleito membro da Royal Society of London pelo que além de político era também um destacado membro da ciência. Na verdade, Luís Pinto de Sousa Coutinho cursou matemática na Universidade de Coimbra e aparece nomeado como físico. Sabe-se que nunca enveredou pela carreira científica. Porém, enquanto responsável pelo exército, onde também se destacou, incrementou os trabalhos geodésicos, devendo-se-lhe o avanço da cartografia através de inovações tecnocientíficas. Pela natureza da sua função sempre foi uma pessoa inteirada das inovações da sua época. A título de exemplo, enquanto embaixador em Inglaterra, o Estado ordenou-lhe que aí se fabricassem instrumentos astronómicos, náuticos, geodésicos, entre outros.

O relógio de Sol do solar dos Viscondes de Balsemão, destinado a medir o tempo e por ele já carcomido, não parece ter tido a função que outros exemplares semelhantes ocuparam noutras localidades, isto é, a regulação da divisão da rega entre os terrenos da aldeia. Neste caso, e por se situar numa das habitações mais ricas da povoação, propriedade da família mais proeminente a nível local e certamente mandado construir pelo físico-matemático, Luís Pinto de Sousa Coutinho, é mais provável que tenha servido apenas o interesse privado da família, não descurando a sua mais que provável função de elemento decorativo. A racionalidade científica, típica das luzes em que se enquadra, está consonante com a racionalidade geométrica presente em toda a casa, nomeadamente nos portais setecentistas armoriados de onde se vislumbra uma frase em latim que um tanto curiosamente menciona o astro-rei: “Esta família tem mais brilho que a própria luz do sol”.

Trata-se, como na grande maioria dos casos, de um modelo simples, em pedra, com elementos parcialmente destruídos, não se vislumbrando motivos de decoração vegetal. Situa-se num patim à ilharga do primeiro piso colateral ao primeiro plano da reentrância e sem dúvida que faz parte de um património de importância capital do concelho que deve ser preservado pela história e memória que encerra.

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